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COVID-19 E A CRÔNICA DE MORTES ANUNCIADAS

Com o novo COVID-19, a situação em Manaus está esmorecida. O problema carece ser solucionado: a falta de hospitais, a concentração de UTIs apenas na capital e dezenas de pessoas morrendo diariamente têm sido um forte empecilho. Assim, a professora Andrea Belem nos convida a refletir a pertinência dos políticos e os seus descasos com a saúde ao longo dos anos. Texto de Andrea Belem-Costa.



Eu vivo na cidade brasileira onde dezenas de pessoas mortas pelo COVID-19 estão sendo enterradas em valas comuns com o auxílio de retroescavadeiras. Não há certeza de que todas as mortes foram causadas pelo novo Corona vírus, não estão realizando testes. Não há testes disponíveis.


Com uma população que ultrapassa os 4 milhões de habitantes, o estado do Amazonas concentra na capital todos os leitos de UTI do estado. Sim, você leu corretamente. Todas as UTI do Amazonas com 62 municípios, estão localizadas na cidade de Manaus.


Sucessivos governos, estaduais e municipais, jamais se preocuparam com investimentos duradouros e sérios em saúde, como criação de hospitais de referência, aumento no número de leitos de UTI, maior infraestrutura nos municípios do entorno da capital, atração de profissionais da área da saúde especialistas em complexidades médicas ou fábricas produtoras de insumos médicos para o PIM – Polo Industrial de Manaus. Mas temos muitas empresas fabricando televisões, motos, celulares... Os governos sequer se preocuparam com investimentos em saneamento básico, vide a total destruição e poluição dos igarapés (pequenos rios) que cortam a metrópole ou que foram canalizados e soterrados para dar vez ao asfalto.


Não vejo o porquê da surpresa de hoje, em uma pandemia, a cidade estar às voltas com dezenas de mortos, congestionamento de carros funerários em cemitérios e caminhões frigoríficos guardando corpos à espera do sepultamento, naquela vala comum...


Todas essas mortes foram anunciadas, previamente, ao vivo, em cores, em gráficos, quando se pediu à população que ficasse em casa, respeitasse o isolamento social e evitasse aglomerações. E se falou que a capacidade hospitalar no maior estado brasileiro era limitada. Foi dito, explicado, desenhado, mas ao que parece, a maioria não acreditou e as pessoas continuam nas ruas.


Com anos de abandono da saúde e assistência social, o Amazonas elege há décadas os mesmos políticos de sempre e o povo (ricos e pobres) que assistiu ao fechamento de hospitais, maternidades, unidades de saúde da família e de pronto atendimento, nada fez para cobrar da classe política um direito: saúde.


Também não houve nenhum governo no Amazonas preocupado em descentralizar a saúde e espalhar hospitais bem equipados em material técnico e humano em municípios estratégicos como Barcelos, Tabatinga, Humaitá ou Parintins, a ilha onde se realiza o famoso Festival Folclórico que atrai gente do mundo todo e muito dinheiro. Cabe aqui uma pergunta: Para onde vai o dinheiro que chega via festival de boi-bumbá? Nunca se cogitou a construção de grandes hospitais para a região central amazonense como Itacoatiara e Manacapuru, hoje a segunda cidade com maior número de infectados no estado. Trata-se mesmo de mortes anunciadas.


O povo pobre, que agora é enterrado com retroescavadeira, serviu para votar nos políticos que hoje estão trancados em suas mansões e apartamentos nas áreas nobres da cidade. O povo rico, busca hospitais particulares e paga o que é cobrado sem questionar ou estão em suas casas, porque podem. Esse vírus escancarou no Brasil e no Amazonas, a enorme desigualdade social que vivemos, os privilégios de alguns, os sacrifícios e a dureza da vida de tantos. Enquanto isso, os hospitais públicos chegam ao limite, não há leitos, não há UTI, não há respiradores, não há nem equipamentos de proteção individual para os médicos e enfermeiros. Vi profissionais da saúde comprando seus próprios equipamentos. Surge o desespero com a impossibilidade de atendimento, com as dezenas de mortes.


De quem é a responsabilidade, afinal? Dos governantes? Do povo que escolhe sempre os mesmos governantes para se revezarem no poder?


A situação em Manaus deixou de ser uma tragédia anunciada e passou a ser a realidade nossa de cada dia. Mortes todos os dias, são dezenas de mortes que poderiam ter sido evitadas, mortes de desconhecidos e de conhecidos, mortes sem motivo, mortes que viraram estatística tendenciosa, mortes subnotificadas, mortes anunciadas. Cabe aos que sobreviverem o dever de mudar o final dessa história.

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