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Nota sobre o COVID-19

Enfermeira do DSEI-Yanomami de São Gabriel da Cachoeira – AM. Clara Oboxina


Se você pode ficar em casa tranqüilo, cuidando dos seus filhos, do seu jardim, e se você mora em um lugar lindo em meio à natureza e se sente realmente abençoado e maravilhado com a vida neste momento tão difícil, que pode plantar seu alimento e que está protegido desta doença terrível, realmente é uma vida invejável no bom sentido.


Também têm pessoas que preferem não saber o que está acontecendo no mundo e principalmente com essa doença, eu como enfermeira (diferente de tudo isso) estou no meio desta batalha e me sinto mesmo numa guerra. O dia começa quando eu saio para trabalhar e minhas filhas ainda estão dormindo...eu coloco a máscara e pego os utensílios, uma sequência de lavagem de mãos, outras milhares mais de álcool em gel. A mente não descansa, além de cuidar da minha própria segurança desinfetando tudo e o tempo todo em paranoia, ainda cuido se os meus colegas estão se cuidando.


A máscara já faz parte da minha vida, é o elemento que quando me visto já faz parte da vestimenta, quando estou acompanhando um paciente não tiro a máscara nem pra beber água, o pior de tudo é o lance que a mente refaz o tempo todo: o Chek list do tocou ou não tocou? Todo momento desinfetando tudo e principalmente o celular; meu celular já vive alcoolizado de álcool em gel. A vida mudou rapidamente...eu que nunca gostei de hospital mesmo tendo feito enfermagem escolhi trabalhar na área indígena para não ficar aprisionada a toda esta estrutura, me vejo agora como se tudo ao meu redor fosse uma ala infectada de um hospital, capote, gorro, máscara luvas e um olhar, no fundo só restou o olhar de quem está doando não só o tempo e o trabalho mas muitas vezes até a própria vida...


Tudo é tão desgastante, porque às vezes sinto que não vamos conseguir, mesmo que rapidamente a mente corre atrás deste pensamento inútil para lançar ele no abismo do esquecimento e dizer a mim mesma que vai dar certo, mesmo sem saber o que realmente vai dar certo, se realmente estamos fazendo o certo. Mas o que seria o certo quando nos falta recursos, nos faltam tantas coisas para entendermos porque a terra está passando por tudo isso e o quanto isso é necessário...


No final do dia após reuniões e lutas, palavras e bandeiras...avançamos para fazer melhor ainda amanhã, mesmo querendo e cobrando de nos mesmos que o melhor fosse feito hoje e agora, mas como nos falta pernas, braços e principalmente recursos em uma saúde pública perversa e precária deixamos até mesmo uma parte de nós ...


E se não formos realmente aquele passarinho que carrega no seu bico uma gota de água para apagar o fogo, não sei o que realmente somos...

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